Lei que começa a valer em março de 2026 não proíbe uso de redes por menores, mas impõe verificação de idade e vínculo parental; lojas de apps e plataformas terão responsabilidades
O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA Digital, passou a valer em setembro e terá aplicação prática a partir de março de 2026. Dentro dessa nova norma, menores de 16 anos terão contas vinculadas às dos pais. A nova lei não proíbe o uso de redes sociais por menores de 16 anos, como fez recentemente a Austrália. Em vez disso, determina que plataformas verifiquem a idade de usuários e vinculem as contas de quem tem menos de 16 anos aos perfis de seus responsáveis.
Como será a verificação de idade
A verificação será obrigatória para atividades que ofereçam risco a crianças e adolescentes, ou seja, não será exigida para toda a navegação na internet. O objetivo é acabar com a autodeclaração simplista — o famoso clique em “Sim, tenho mais de 18 anos” — e impor mecanismos técnicos analisados conforme o risco do conteúdo.
- Análise de comportamento: estima faixa etária a partir da navegação e interações.
- Envio de selfie: técnicas de reconhecimento facial para estimativa de idade.
- Envio de documentação: foto de documento oficial (CPF, por exemplo) para comprovação exata.
O Ministério da Justiça ficará responsável por regulamentar os critérios, levando em conta o grau de risco associado à atividade. Como explicou Ricardo de Lins e Horta, diretor de Segurança e Prevenção de Riscos no Ambiente Digital do ministério, “para saber quem é criança e adolescente usando o serviço digital, todo mundo tem que fazer aferição de idade, inclusive as pessoas adultas”. Ele também ressaltou que “boa parte da internet não requer aferição de idade” e que a vinculação com as contas dos pais será obrigatória para todos os menores de 16 anos.
Quem é responsável pela checagem e pela segurança
Lojas de aplicativos (como Google Play e App Store) e sistemas operacionais (Android, iOS, Windows) terão papel central na verificação de idade, mas os próprios aplicativos também precisarão garantir medidas de proteção no ponto em que houver risco. Isso significa que um serviço aberto a todos pode exigir aferição ao liberar recursos impróprios para menores.
A fiscalização da aplicação da lei ficará a cargo da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que já avaliou diferentes ferramentas de verificação etária. Miriam Wimmer, do Conselho Diretor da ANPD, afirmou que “a identificação da melhor estratégia vai depender também do tipo de atividade” e que mecanismos variam conforme o contexto.
O que o ECA Digital proíbe além da verificação
O conjunto de medidas vai além da checagem etária. Entre outras regras, a lei:
- proíbe caixas de recompensa (loot boxes) em jogos direcionados ou com acesso provável por crianças e adolescentes;
- veda a classificação e o agrupamento de menores para direcionamento publicitário;
- proíbe monetização e impulsionamento de conteúdos que retratem crianças e adolescentes de forma erotizada;
- obriga plataformas a ter ferramentas acessíveis de supervisão parental e níveis de proteção mais altos por padrão;
- exige remoção imediata e comunicação às autoridades de casos de aparente exploração sexual, sequestro ou aliciamento, além da preservação de dados para investigação;
- determina que plataformas com mais de 1 milhão de usuários publiquem relatórios semestrais de transparência sobre denúncias e moderação.
Privacidade, limites e punições
O tratamento de dados na verificação deve observar o princípio do melhor interesse da criança, previsto na Lei Geral de Proteção de Dados. Especialistas defendem abordagens que minimizem a quantidade de informação pessoal transferida às plataformas. Luis Felipe Monteiro, da Unico, citou o conceito de Prova de Conhecimento Zero, em que a plataforma recebe apenas a confirmação de maioridade (sim ou não) em vez da data completa de nascimento.
Ao mesmo tempo, há alertas sobre riscos de exploração comercial se medidas de verificação não estiverem bem desenhadas. Maria Mello, do Instituto Alana, ressaltou que o mecanismo de aferição “é um ponto importante, mas sozinho não vai funcionar” e que precisa estar articulado com outras iniciativas previstas na lei, como educação midiática e controles parentais que promovam autonomia e pensamento crítico.
Plataformas que não demonstrarem ações razoáveis para proteger crianças e adolescentes poderão ser punidas com advertência, multa de até 10% do faturamento ou R$ 50 milhões por infração, além de suspensão ou proibição de atuação no país.
Em resumo, o ECA Digital cria um arcabouço de proteção que combina verificação de idade, vínculo parental e limites à monetização e à publicidade dirigida a menores. A eficácia das medidas dependerá da regulamentação técnica, da fiscalização da ANPD e da articulação com políticas de educação digital e medidas de supervisão das famílias. A partir de março de 2026, plataformas e lojas de aplicativos terão de se adaptar às novas obrigações para operar no Brasil.